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Fukushima, a pandemia e os Jogos Olímpicos por Washington Novaes

    Cientistas já vinham alertando ha muitos anos que um dos efeitos das mudanças climáticas e da destruição desenfreada de biomas e ecossistemas seria exatamente a eclosão de pandemias como a da Covid-19 que enfrentamos.  E agora alertam que esta pandemia pode ser só a primeira de muitas, se não mudarmos nossas formas de produção e consumo em nível global. Para David Quammen, em entrevista ao jornal britânico “The Independent”, autor do bestseller de 2012 “Transbordamento: Infecções animais e a próxima pandemia humana” a destruição sem precedentes e constante de ambientes naturais coloca o homem a cada dia frente a novos vírus e bactérias até então desconhecidos. As doenças transmitidas por vetores – aquelas de organismos vivos que podem transmitir patógenos infecciosos entre humanos ou de animais para humanos – representam mais de 17% de todas as doenças infecciosas e causam mais de 700 mil mortes a cada ano, segundo a OMS. Com a pandemia, esta porcentagem já deve ter subido e muito.      

    Mas o que mais chama a atenção neste momento de crise sem precedentes do sistema capitalista global, com economias afundando e alguns governos mostrando maior (Nova Zelândia,  Áustria) ou menor capacidade de atuação, é a falta de atenção que outros assuntos tão importantes quanto a pandemia têm sofrido. E um bom exemplo disso é a atenção dada pela mídia, governos ao redor do mundo e a população para o desastre nuclear sem precedentes que ainda está acontecendo em Fukushima, no Japão.  A Usina Nuclear de Fukushima sofreu em 11 de março de 2011  o derretimento de três dos seus seis reatores nucleares. O acidente ocorreu quando a usina foi atingida por um tsunami provocado por um maremoto de magnitude 8,7. Após o acidente nuclear em Fukushima, a mera possibilidade de um apocalipse radioativo em um país traumatizado por duas bombas nucleares, levou a uma decisão drástica. Todas as usinas nucleares japonesas, responsáveis por 30% da eletricidade consumida no país, foram fechadas em pouco mais de um ano. Segundo Matthew Neidell, professor na Escola de Saúde Pública e Administração da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, em entrevista para a BBC "Em 14 meses após o acidente, a produção de energia nuclear cessou completamente no Japão". A Alemanha também está seguindo este caminho, desativando sucessivamente todas suas usinas nucleares até 2022 e substituindo-as por fontes renováveis e limpas como energia solar e eólica em larga escala. 

    Porém, o problema de Fukushima não acabou, uma vez que a Usina continua a contaminar o ar e toneladas de litros de água com radioatividade e que já foram em boa parte jogadas no Oceano Pacífico. Estudos indicam cerca de 3600 mortes diretamente ligadas ao vazamento radioativo.  Mas ainda não existem estudos que mostrem os efeitos de longo prazo desta mesma radiação no Japão e no mundo. Há indícios de que as águas do Oceano Pacífico possam estar contaminadas por Fukushima, indo desde a costa oeste dos EUA até o Chile e a Argentina, pois desde 2011 toneladas de água contaminada por estrôncio 90, césio 137, iodo 129 e vários outros tipos de isótopos radioativos vazaram para o oceano. E estão causando mutações genéticas nos peixes que consumimos e nos seres humanos.   Para se ter uma ideia, por ano, a dose média de radiação natural é de 2,4 mSv (milésimos de Sievert, unidade que mede os efeitos biológicos da radiação). No entorno da usina japonesa de Fukushima o governo informou que o nível de radiação alcançou 0,6 mSv por hora. Ou seja, apenas quatro horas de vazamento equivale a toda radiação a que uma pessoa pode estar exposta ao longo do ano. Para efeito de comparação, a taxa de radiação em Fukushima equivale a submeter-se a seis radiografias do tórax por hora, o que, ao final de um ano, representaria quase duas mil vezes a dose natural e mais de 260 vezes a dose máxima que pode ser recebida por quem trabalha em uma usina nuclear. A ONG Greenpeace na Coreia do Sul declarou em 13/08/2019 estar preocupada com a intenção do Japão de despejar no oceano Pacífico ainda mais de um bilhão de litros de água radioativa. Os resíduos são oriundos da central nuclear de Fukushima.

    A água altamente poluída vem dos lençóis freáticos situados sob a usina de Fukushima e, até o momento, permaneceu em parte contida em centenas de reservatórios. De acordo com os especialistas nucleares, a única opção “realista” seria um “despejo controlado” no oceano Pacífico. A sugestão deixou os vizinhos sul-coreanos horrorizados. Cerca de 1400 toneladas de água radioativa são recuperadas todas as semanas da central de Fukushima. E as tecnologias de descontaminação, que poderiam permitir um reaproveitamento, ainda não são capazes de efetuar esse trabalho. Nesse contexto, o governo japonês tem a intenção de autorizar a disseminação do produto no Pacífico a partir deste ano. O governo japonês deve se comprometer com a única opção ambientalmente aceitável para gerenciar essa crise da água, que é o armazenamento e processamento de longo prazo para remover a radioatividade. Mas os custos e as dificuldades técnicas para este trabalho são enormes.

    O que mais espanta em toda essa história em torno de Fukushima e a pandemia é o cancelamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio, que aconteceriam agora, durante o mês de junho e foram adiados para 2021 com custos bilionários. É óbvio que a pandemia da Covid-19 é motivo suficiente para esse cancelamento. Mas não deixa de ser curioso e preocupante que os índices alarmantes de radiação por todo o Japão devido ao acidente nucelar de Fukushima não tenham tido o mesmo impacto sobre a população, a mídia, os governos e os comitês olímpicos de todos os países que participarão deste evento esportivo. Seria como realizar os jogos olímpicos em Chernobyl, que é uma zona morta pelos próximos 24 mil anos! E enquanto as pessoas se entretêm assistindo a esta nova série de ficção baseada em fatos reais sobre o acidente nuclear na Ucrânia do canal HBO (Chernobyl), não se dão conta de que algo com proporções ainda maiores esta acontecendo todos os dias no Japão com reflexos para todo o mundo, neste exato momento! 

    Um perímetro de isolamento de 30 Km ao redor da Usina foi criado, mas Fukushima continua a vazar radiação, pois a fonte do vazamento ainda não pode ser selada. Em abril do ano passado a Tokyo Electric Company (subsidiária de General Electric) começou a retirar as barras de combustível radioativo de reator 3 com um guindaste submerso em água para evitar maior radiação, o que ainda levará pelo menos mais um ano.  Mas todo o material radioativo que derreteu dentro dos reatores só começará a ser retirado a partir de 2021. Ernie Gundersen, renomado engenheiro nuclear e estudioso do desastre de Fukushima, uma das poucas vozes no mundo a alertar para as graves consequências deste que foi o pior desastre industrial da humanidade, estima que serão necessários 250 bilhões de dólares ao longo de pelo menos 25 anos para completar a limpeza de Fukushima.  Este mesmo cientista mediu níveis altíssimos de radiação nas ruas de Tóquio no ano passado (4.000 Bq/Kg) ao lado do Museu METI e questionou em vídeos na internet e em suas palestras se seria mesmo sensato realizar os Jogos Olímpicos na capital japonesa.  Mas sua voz foi abafada pelo poderoso lobby da indústria nuclear, que continua a calar a maioria dos cientistas, engenheiros nucleares, meios de comunicação e governos ao redor do mundo.

  Somente nos EUA existem outros 25 reatores nucleares idênticos aos de Fukushima ainda em funcionamento. Fora, é claro, centenas de outros reatores de outros modelos não só por lá, mas por todo o mundo . No Brasil o Governo Federal ainda tem planos para finalização de Angra 3, considerada uma temeridade, uma insanidade que mostra a incapacidade de aprender mesmo com uma terrível tragédia como a de Fukushima, que apesar de não acumular milhares de corpos empilhados quase que instantaneamente como a tragédia da Covid-19, a longo prazo também gerará outros milhares de mortes “invisíveis” por câncer de tireoide, leucemia e tantos outros. O fato é que muito ainda precisa ser feito para mitigar minimamente os efeitos desta catástrofe nuclear silenciosa que ainda abala o planeta! Que a crise civilizatória eclodida pelo este vírus abra mais os olhos de todos para um novo mundo que precisa ser construído e que possamos olhar também para esta outra tragédia ainda em curso em Fukushima que infelizmente deixará sequelas por centenas de anos.  

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